Nascido em Ariquipá, povoado de Bequimão, Baixada Maranhense, em 1970, Antônio José Pinheiro da Silva era um dos mais novos filhos entre os 11 do vaqueiro Marinaldo e da professora e costureira Maria José Pinheiro, a dona Zeca. O menino Antônio José curtia festas desde pequeno. Ainda no interior, enchia os olhos quando alguma pequena radiola ia tocar. A mãe recolhia a cria dos festejos logo após a missa, mas o pirralho dava um jeito de escapar, mesmo sabendo que depois levaria umas bordoadas. O casal decidiu dar uma vida melhor pros filhos e despacharam-no pra capital. Tinham irmãs no São Francisco e compraram uma casa na Rua 2, numa área onde a maré, antes da urbanização da Lagoa, chegava quase na calçada. Era começo dos anos 1980, o menino tinha 9 anos.
Silvia era uma das irmãs mais próximas e sempre estudou na mesma sala de Nemco, apelido do futuro DJ ainda em Ariquipá, é ela quem me diz que Antônio José era um moleque rueiro, não muito fã da escola, que manteve o hábito de fugir pra festas: “todo mundo vinha bonitinho, mas ele sempre tinha reclamação, que ele era bagunceiro, que ele se juntava com os meninos pra bagunçar, que ele não fazia o dever, tudo era ele. Ele era danado demais, e as professoras mandavam recado pra minha mãe. Quando minha mãe chegava ao colégio ele parecia um santo, sentado, aí minha mãe taca! Toda semana ele levava uma pisa. Ele parou de estudar na sétima série”.
Ainda na adolescência conheceu Magão, amigo de Ronald Pinheiro, seu irmão. Na época, “eu tinha uma oficina de eletrônica e Antônio José, um gurizinho assim da perna torta, um molequezinho, chamava Nemco, ele dizia ‘ô, Magão, me ensina eletrônica”, aí eu de molecagem dei uma lista de eletrônica pra ele e disse ‘então tá aqui, se tu decorar essa lista daqui pra amanhã tu vai trabalhar comigo’. No outro dia eu cheguei e ele tinha decorado a lista. Aí eu peguei ele, não tinha tênis, eu comprei um tênis e levei ele pra trabalhar comigo na rua Godofredo Viana”. Daí a gente passou a ser irmão. Magão seria conhecido mais na frente como Tony Tavares, DJ, radialista, cantor, falecido em 2014.
Nos anos 1980, o São Francisco era uma festa só, tinha bloco de carnaval e clube pra tudo quanto é lado. Na metade da década, três “blocos de cachaceiros” chamado Motivo pra beber, da Rua 2, Os Persistentes, da Rua 6 e o ULP, Unidos pela Loucura, da Rua 5, se fundiram no Grêmio Recreativo e Cultural Quilombo. Conversei com Zeca, um dos fundadores do Quilombo, que me disse o seguinte: “Era uma radiola a válvula e depois de um tempo ele vendeu a radiola pra gente. Magão foi o primeiro DJ do quilombo, oficial. Nessa que ele foi ser DJ do Quilombo, o Antônio José colou com ele. Tudo que Antônio José aprendeu como DJ ele aprendeu com Tony Tavares”.
O Quilombo fazia festas de samba ao vivo, mas a grande jogada era aos domingos. Quando Magão saiu, Antônio José assumiu o valvulado. No estilo dos DJs de balanço como Cesinha do Egito, precisava ter uma presença explosiva e as festas do clube ficaram ainda maiores com um discotecário que começava a desconstruir aquele papel: Antônio José falava, cantava por cima dos balanços, inventava letras.
Estrela
Ferreirinha era dono de um time de futebol e arrendou um antigo clube chamado Cajueiro, no final da Rua 3, junto ao mangue. O lugar foi rebatizado de Espaço Aberto. O espaço começou com festas mistas, mas acabou se especializando em reggae e virando referência nos anos 80 e 90.
Ferreirinha se emociona ao falar do Lobo: “eu montei a Estrela 2 e Antônio José tava no Quilombo, eu disse ‘rapaz, aculá tem um pequeno que eu gosto do estilo dele’ aí eu trouxe ele, mas ele disse ‘olha, eu vou trabalhar do meu jeito!’”
A loucura de Antônio José revolucionou o que era ser DJ no Maranhão. Antes dele, o discotecário não era a estrela que hoje é. As falas dos DJs até o começo dos anos 1990 eram pequenas intervenções institucionais, à serviço da festa, da radiola ou do dono do clube.
A entrada de Antônio José coincide também com o aparecimento das mesas de som, que não obrigavam o operador a passar boa parte do tempo ajustando botões num trambolho, o Lobo ia pra galera, cantava por cima das canções, inventando letras, criava bordões até hoje repetidos nos salões e sua “sequência demolidora” realmente abalava as estruturas de qualquer lugar; com ele de fato se abriu a era na qual o DJ era a estrela, e o regueiro passou a seguir um DJ independentemente do lugar. Tá certo que o Lobo era a cara do espaço, mas o DJ era viciado no próprio trabalho, vivia intensamente o mundo do reggae, de maneira que tocava em duas ou até três festas na mesma noite.
E ninguém batizou melôs como ele. Marcus Vinicius, DJ, radialista e grande amigo de Antônio José o definiu como um Midas, “tudo que ele tocava virava ouro”, o moço tinha um faro pro sucesso e tinha nas mãos a máquina pra tal. Toda semana, um novo melô era lançado no Espaço e Antônio José sabia bem como e quando colocar nomes: era dele a decisão do que iria tocar, não do radioleiro. “As músicas eram batizadas por Antônio José, chegavam no aeroporto e iam direto pro escritório da Estrela do Som. Aí se colocava a música pra tocar e Antônio Jose já ia assim de cara, ele era um cara que tinha o ouvido assim muito apurado, uma sensibilidade muito apurada pro que ia servir e o que não ia servir e ele já ia separando. E a partir disso ele ia escutar as músicas com calma pra identificar o que ele poderia lançar como melô, o que a música dizia primeiramente”, me disse Mauricio Capella, outro grande amigo do DJ.
Fora do mundo dos melôs, o Lobo era meio avoado. Seu único documento, segundo a família, era a segunda via do registro de nascimento, tirado pela mãe pra que ele casasse. O segundo foi a certidão de casamento. As fotos do santinho do seu velório eram as 3×4 da identidade que ele não foi tirar.
Foi nessa época que Ferreirinha encontrou o primeiro disco da banda inglesa Akabu, de 1989. A banda ficou famosa por ser o primeiro grupo feminino do reggae, formado pelo duo Valerie Skeete e Vyris Edgill, que começou como um grupo chamado African Woman, mudando de nome logo após. Ferreirinha disse que “na primeira viagem que eu fui eu encostei na França, e tem uma lojinha lá pequenininha, com disco de toda parte do mundo, e lá eles não abrem o disco, daí eu comprei três discos africanos, eu disse ‘rapaz, esse disco aqui eu vou levar’. O certo é que quando eu cheguei aqui e abri o disco era bom pra caramba. Desse disco saíram vários melôs, como o Melô de São Francisco e o Melô de Antônio José. A bolacha tinha oito faixas agitadas e a segunda do lado B, Time, caiu como uma luva com o nome do DJ, “it only takes time”, dizia o refrão que o regueiro maranhense até hoje canta como algo do tipo “Antônio José style”, repetindo várias vezes o nome do ídolo, que tocava a canção em todas as festas. O fato é que por mais que eu tente dar destaque a essa música como exemplar ou crucial à trajetória do DJ, Antônio José não cabe num melô só e Time, com sua letra de amor que diz que cada um e cada amor tem seu tempo, é uma entre várias pedradas que o Lobo arremessou. O texto sobre o Melô de Antônio José só tem Antônio José, não tem o melô, desculpem.
Investigar a história do Lobo é também olhar a história do São Francisco. Ao longo de uma semana na qual pesquisei, tropecei com uma dúzia de pessoas que foram seus amigos, gente que não era necessariamente do reggae, mas que compartilhou pequenas histórias envolvendo o DJ, uma espécie de história dos afetos do bairro, que era impossível morar por aqui (moro na Rua 1) e não ouvir o som do Espaço, Quilombo ou mesmo do Som do Povo, Antônio José jamais deixou suas origens e os donos de quitanda mais antigos abrem o sorriso ao lembrar do moleque que comprava peteca e ficou famoso.
Paz
Entre as várias festas especiais do Espaço Aberto, havia a Festa da Paz, na qual só se entrava de branco. A festa durava dois dias, com um lava-pratos na segunda-feira. Era uma das maiores festas da casa e naquela segunda, 16 de setembro, o DJ Antônio José comandava o som, como sempre, e como sempre tocava numa festa com o coração em outra. A outra era o Festejo da morte do Boi de Iguaíba, zona rural de São Luís. No Domingo da Paz, o radioleiro e DJ Junior Black foi ao Espaço Aberto e convidou o Lobo pra rolar uma sequência, ali mesmo foi anunciado no microfone que no dia seguinte, após o lava-pratos, Antônio José estaria presente no Iguaíba. Maurício Capella não foi ao lava-pratos, mas ficou de ir na festa seguinte, “nos encontramos no Rio São João, eu, voltando pro Espaço Aberto, e eles indo pro Iguaíba”, falou Capella.
José de Ribamar Ramos Filho, o Zezinho nasceu no São Francisco e era frequentador do Quilombo, trabalhava como motorista e foi contratado por Ferreirinha pra comandar a D-20 da Estrela do Som, “eu recebia ordens de Ferreirinha, dona Raimunda, que era a mulher dele, e Antônio José”, me contou, na confeitaria onde hoje trabalha. Antônio José terminou de tocar e chamou Zezinho pra leva-lo à outra festa, “rapaz, tu quer ir pra Iguaíba mesmo? Já tamo tudo cansado?”, interpelou; o DJ disse que precisava ir, entrou na casa do patrão e voltou com a chave do carro. Partiram acompanhado da esposa de Zezinho e de uma moça chamada Silvana que, como Antônio José, já tinha tomado uns pileques. Segundo Capella, a festa no Iguaíba já estava acabando. Antônio José tocava do mesmo jeito pra um clube lotado ou pro faxineiro que limpava o salão vazio, “lá não tinha mais ninguém, tinha um único casal e Gilberto, que era o cara que tomava conta da Radiola”, Junior Black, pensando que o amigo fosse lhe dar um bolo, foi pra casa. Prossegue Capella: “Aí Antônio José tocou meia hora para este casal e, quando ele foi tocar a última música, ele me chamou e disse: ‘Olha, Capella, essa é que vai comandar a sequência de reggae daqui por diante. Esse vai ser o grande sucesso de São Luís’”. Era o Melô do Caranguejo.
Saíram de lá com Capella e Ronald Pinheiro num carro, Antônio José vinha dormindo no outro com o mesmo pessoal da vinda. Pararam na Forquilha pruma mudança de passageiros e seguiram viagem. Passava das 3 da manhã. Zezinho ao volante: “Quando chegou no Cohafuma, eu fui fechado, um cara bateu bem na frente da D-20, eu perdi o rumo, ao invés d’eu ir pra frente, eu já fui foi pro lado, porque a D-20 tava com dois pneu novo na frente, largo, e dois pneu fino atrás. A D-20 não tem peso atrás e tinha dado uma chuva. Quando ele bateu, a D-20 rodou, aí eu fui pra cima da barreira e saí capotando, eu tentei agarrá-lo, mas não consegui, só consegui triscar no ombro dele, porque eu tava preso no cinto”. Antônio José voou pela janela da D-20 e quebrou o pescoço enquanto o carro capotava em frente à igreja do Cohafuma. Capella viu o acidente e se aproximou com Ronald, mas já era tarde demais, o reggae do Maranhão havia perdido sua maior estrela.
Fonte: Portalradio Roots
Silvia era uma das irmãs mais próximas e sempre estudou na mesma sala de Nemco, apelido do futuro DJ ainda em Ariquipá, é ela quem me diz que Antônio José era um moleque rueiro, não muito fã da escola, que manteve o hábito de fugir pra festas: “todo mundo vinha bonitinho, mas ele sempre tinha reclamação, que ele era bagunceiro, que ele se juntava com os meninos pra bagunçar, que ele não fazia o dever, tudo era ele. Ele era danado demais, e as professoras mandavam recado pra minha mãe. Quando minha mãe chegava ao colégio ele parecia um santo, sentado, aí minha mãe taca! Toda semana ele levava uma pisa. Ele parou de estudar na sétima série”.
Ainda na adolescência conheceu Magão, amigo de Ronald Pinheiro, seu irmão. Na época, “eu tinha uma oficina de eletrônica e Antônio José, um gurizinho assim da perna torta, um molequezinho, chamava Nemco, ele dizia ‘ô, Magão, me ensina eletrônica”, aí eu de molecagem dei uma lista de eletrônica pra ele e disse ‘então tá aqui, se tu decorar essa lista daqui pra amanhã tu vai trabalhar comigo’. No outro dia eu cheguei e ele tinha decorado a lista. Aí eu peguei ele, não tinha tênis, eu comprei um tênis e levei ele pra trabalhar comigo na rua Godofredo Viana”. Daí a gente passou a ser irmão. Magão seria conhecido mais na frente como Tony Tavares, DJ, radialista, cantor, falecido em 2014.
Nos anos 1980, o São Francisco era uma festa só, tinha bloco de carnaval e clube pra tudo quanto é lado. Na metade da década, três “blocos de cachaceiros” chamado Motivo pra beber, da Rua 2, Os Persistentes, da Rua 6 e o ULP, Unidos pela Loucura, da Rua 5, se fundiram no Grêmio Recreativo e Cultural Quilombo. Conversei com Zeca, um dos fundadores do Quilombo, que me disse o seguinte: “Era uma radiola a válvula e depois de um tempo ele vendeu a radiola pra gente. Magão foi o primeiro DJ do quilombo, oficial. Nessa que ele foi ser DJ do Quilombo, o Antônio José colou com ele. Tudo que Antônio José aprendeu como DJ ele aprendeu com Tony Tavares”.
O Quilombo fazia festas de samba ao vivo, mas a grande jogada era aos domingos. Quando Magão saiu, Antônio José assumiu o valvulado. No estilo dos DJs de balanço como Cesinha do Egito, precisava ter uma presença explosiva e as festas do clube ficaram ainda maiores com um discotecário que começava a desconstruir aquele papel: Antônio José falava, cantava por cima dos balanços, inventava letras.
Estrela
Ferreirinha era dono de um time de futebol e arrendou um antigo clube chamado Cajueiro, no final da Rua 3, junto ao mangue. O lugar foi rebatizado de Espaço Aberto. O espaço começou com festas mistas, mas acabou se especializando em reggae e virando referência nos anos 80 e 90.
Ferreirinha se emociona ao falar do Lobo: “eu montei a Estrela 2 e Antônio José tava no Quilombo, eu disse ‘rapaz, aculá tem um pequeno que eu gosto do estilo dele’ aí eu trouxe ele, mas ele disse ‘olha, eu vou trabalhar do meu jeito!’”
A loucura de Antônio José revolucionou o que era ser DJ no Maranhão. Antes dele, o discotecário não era a estrela que hoje é. As falas dos DJs até o começo dos anos 1990 eram pequenas intervenções institucionais, à serviço da festa, da radiola ou do dono do clube.
A entrada de Antônio José coincide também com o aparecimento das mesas de som, que não obrigavam o operador a passar boa parte do tempo ajustando botões num trambolho, o Lobo ia pra galera, cantava por cima das canções, inventando letras, criava bordões até hoje repetidos nos salões e sua “sequência demolidora” realmente abalava as estruturas de qualquer lugar; com ele de fato se abriu a era na qual o DJ era a estrela, e o regueiro passou a seguir um DJ independentemente do lugar. Tá certo que o Lobo era a cara do espaço, mas o DJ era viciado no próprio trabalho, vivia intensamente o mundo do reggae, de maneira que tocava em duas ou até três festas na mesma noite.
E ninguém batizou melôs como ele. Marcus Vinicius, DJ, radialista e grande amigo de Antônio José o definiu como um Midas, “tudo que ele tocava virava ouro”, o moço tinha um faro pro sucesso e tinha nas mãos a máquina pra tal. Toda semana, um novo melô era lançado no Espaço e Antônio José sabia bem como e quando colocar nomes: era dele a decisão do que iria tocar, não do radioleiro. “As músicas eram batizadas por Antônio José, chegavam no aeroporto e iam direto pro escritório da Estrela do Som. Aí se colocava a música pra tocar e Antônio Jose já ia assim de cara, ele era um cara que tinha o ouvido assim muito apurado, uma sensibilidade muito apurada pro que ia servir e o que não ia servir e ele já ia separando. E a partir disso ele ia escutar as músicas com calma pra identificar o que ele poderia lançar como melô, o que a música dizia primeiramente”, me disse Mauricio Capella, outro grande amigo do DJ.
Fora do mundo dos melôs, o Lobo era meio avoado. Seu único documento, segundo a família, era a segunda via do registro de nascimento, tirado pela mãe pra que ele casasse. O segundo foi a certidão de casamento. As fotos do santinho do seu velório eram as 3×4 da identidade que ele não foi tirar.
Foi nessa época que Ferreirinha encontrou o primeiro disco da banda inglesa Akabu, de 1989. A banda ficou famosa por ser o primeiro grupo feminino do reggae, formado pelo duo Valerie Skeete e Vyris Edgill, que começou como um grupo chamado African Woman, mudando de nome logo após. Ferreirinha disse que “na primeira viagem que eu fui eu encostei na França, e tem uma lojinha lá pequenininha, com disco de toda parte do mundo, e lá eles não abrem o disco, daí eu comprei três discos africanos, eu disse ‘rapaz, esse disco aqui eu vou levar’. O certo é que quando eu cheguei aqui e abri o disco era bom pra caramba. Desse disco saíram vários melôs, como o Melô de São Francisco e o Melô de Antônio José. A bolacha tinha oito faixas agitadas e a segunda do lado B, Time, caiu como uma luva com o nome do DJ, “it only takes time”, dizia o refrão que o regueiro maranhense até hoje canta como algo do tipo “Antônio José style”, repetindo várias vezes o nome do ídolo, que tocava a canção em todas as festas. O fato é que por mais que eu tente dar destaque a essa música como exemplar ou crucial à trajetória do DJ, Antônio José não cabe num melô só e Time, com sua letra de amor que diz que cada um e cada amor tem seu tempo, é uma entre várias pedradas que o Lobo arremessou. O texto sobre o Melô de Antônio José só tem Antônio José, não tem o melô, desculpem.
Investigar a história do Lobo é também olhar a história do São Francisco. Ao longo de uma semana na qual pesquisei, tropecei com uma dúzia de pessoas que foram seus amigos, gente que não era necessariamente do reggae, mas que compartilhou pequenas histórias envolvendo o DJ, uma espécie de história dos afetos do bairro, que era impossível morar por aqui (moro na Rua 1) e não ouvir o som do Espaço, Quilombo ou mesmo do Som do Povo, Antônio José jamais deixou suas origens e os donos de quitanda mais antigos abrem o sorriso ao lembrar do moleque que comprava peteca e ficou famoso.
Paz
Entre as várias festas especiais do Espaço Aberto, havia a Festa da Paz, na qual só se entrava de branco. A festa durava dois dias, com um lava-pratos na segunda-feira. Era uma das maiores festas da casa e naquela segunda, 16 de setembro, o DJ Antônio José comandava o som, como sempre, e como sempre tocava numa festa com o coração em outra. A outra era o Festejo da morte do Boi de Iguaíba, zona rural de São Luís. No Domingo da Paz, o radioleiro e DJ Junior Black foi ao Espaço Aberto e convidou o Lobo pra rolar uma sequência, ali mesmo foi anunciado no microfone que no dia seguinte, após o lava-pratos, Antônio José estaria presente no Iguaíba. Maurício Capella não foi ao lava-pratos, mas ficou de ir na festa seguinte, “nos encontramos no Rio São João, eu, voltando pro Espaço Aberto, e eles indo pro Iguaíba”, falou Capella.
José de Ribamar Ramos Filho, o Zezinho nasceu no São Francisco e era frequentador do Quilombo, trabalhava como motorista e foi contratado por Ferreirinha pra comandar a D-20 da Estrela do Som, “eu recebia ordens de Ferreirinha, dona Raimunda, que era a mulher dele, e Antônio José”, me contou, na confeitaria onde hoje trabalha. Antônio José terminou de tocar e chamou Zezinho pra leva-lo à outra festa, “rapaz, tu quer ir pra Iguaíba mesmo? Já tamo tudo cansado?”, interpelou; o DJ disse que precisava ir, entrou na casa do patrão e voltou com a chave do carro. Partiram acompanhado da esposa de Zezinho e de uma moça chamada Silvana que, como Antônio José, já tinha tomado uns pileques. Segundo Capella, a festa no Iguaíba já estava acabando. Antônio José tocava do mesmo jeito pra um clube lotado ou pro faxineiro que limpava o salão vazio, “lá não tinha mais ninguém, tinha um único casal e Gilberto, que era o cara que tomava conta da Radiola”, Junior Black, pensando que o amigo fosse lhe dar um bolo, foi pra casa. Prossegue Capella: “Aí Antônio José tocou meia hora para este casal e, quando ele foi tocar a última música, ele me chamou e disse: ‘Olha, Capella, essa é que vai comandar a sequência de reggae daqui por diante. Esse vai ser o grande sucesso de São Luís’”. Era o Melô do Caranguejo.
Saíram de lá com Capella e Ronald Pinheiro num carro, Antônio José vinha dormindo no outro com o mesmo pessoal da vinda. Pararam na Forquilha pruma mudança de passageiros e seguiram viagem. Passava das 3 da manhã. Zezinho ao volante: “Quando chegou no Cohafuma, eu fui fechado, um cara bateu bem na frente da D-20, eu perdi o rumo, ao invés d’eu ir pra frente, eu já fui foi pro lado, porque a D-20 tava com dois pneu novo na frente, largo, e dois pneu fino atrás. A D-20 não tem peso atrás e tinha dado uma chuva. Quando ele bateu, a D-20 rodou, aí eu fui pra cima da barreira e saí capotando, eu tentei agarrá-lo, mas não consegui, só consegui triscar no ombro dele, porque eu tava preso no cinto”. Antônio José voou pela janela da D-20 e quebrou o pescoço enquanto o carro capotava em frente à igreja do Cohafuma. Capella viu o acidente e se aproximou com Ronald, mas já era tarde demais, o reggae do Maranhão havia perdido sua maior estrela.
Fonte: Portalradio Roots