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sábado, 17 de julho de 2010

BIOGRAFIA DO MAIOR REGUEIRO DE TODOS OS TEMPOS, BOB MARLEY



O ano de 1945 foi um grande ano. Foi em 45 que, depois de nove anos de uma guerra que matou milhões de pessoas em todo o mundo, finalmente a paz voltou a reinar na Terra. Em todos os cantos do planeta as pessoas se abraçaram e puderam comemorar o final do mais triste episódio da história da humanidade. Milhares de filhos voltaram para suas casas, famílias se reencontraram e a construção de um novo tempo começou. Entretanto, em 1945 houve outro grande acontecimento, que só alguns moradores da pequena vila de Nine Mile, interior rural da Freguesia de St. Ann (Santa Ana), no norte da Jamaica , comemoraram. Foi no dia 6 de fevereiro desse ano que nasceu o menino Robert Nesta Marley, filho de Cedella Booker, uma garota negra de apenas dezoito anos, e do Capitão Norval Marley, do Regimento Britânico das Índias Ocidentais, um inglês branco de 50 anos de idade que, devido a pressões de sua família na Inglaterra, apesar de ajudar financeiramente pouco conheceu o filho. Mas para entender melhor a história desse menino é preciso voltar um pouco mais no tempo. Apesar da escravidão ter sido abolida na Jamaica em 1834, aqueles dias de sofrimento ainda estão na memória dos descendentes de africanos e, misturados com os costumes ingleses, fazem parte da cultura da ilha. Já no começo do século passado a herança africana começava a ter expressão política com Marcus Garvey, um pastor jamaicano que fundou a Associação Universal para o Desenvolvimento do Negro. A organização defendia a criação de um país negro, livre da dominação branca, em África, que recebesse de volta todos os descendentes de africanos exilados na América. Foi inclusivé com esse intuito que Garvey chegou a fundar uma companhia de navegação a vapor, a Black Star Line. Mas Marcus Garvey é lembrado na Jamaica também por outro motivo. O pastor, nas suas pregações, costumava repetir uma profecia que logo se espalhou entre a população negra. Ele dizia que em África surgiria um Rei negro, o 225º descendente da linhagem de Menelik, o filho do rei Salomão e da rainha de Sabá, que libertaria a raça negra do domínio branco. Anos depois esse rei apareceu. Em 1930 Ras Tafari Makonnen foi coroado Imperador da Etiópia e passou a se chamar Hailè Selassiè. No mesmo momento, os seguidores de Garvey na Jamaica passaram a acreditar que a profecia tivesse sido cumprida e começaram uma nova religião chamada Rastafari. Anos mais tarde, essa religião seria espalhada pelo mundo através da música de um menino chamado Bob Marley.

Por volta da década de 50, a capital Kingston era a terra dos sonhos dos habitantes das zonas rurais da Jamaica. Apesar da cidade não ter oferecer muito trabalho, multidões dirigiam-se para lá para fatalmente engrossarem a população das favelas que já cresciam no lado oeste. A maior e mais miserável dessas favelas era Trench Town (Cidade do Esgoto), assim chamada por ter sido construída sobre as valas que drenavam os dejetos da parte antiga de Kingston, foi para lá que Dona Cedella se mudou junto com seu filho no final dos anos 50. O menino cresceu nesse ambiente junto com outros meninos de rua e, em especial, seu amigo Neville O’Riley Livingston, mais conhecido como Bunny, com quem começou a tocar latas e guitarras improvisadas em casa. O som que os dois garotos faziam era influênciado pelas emissoras do sul dos Estados Unidos que conseguiam captar nos seus rádios e que tocavam músicas de artistas como Ray Charles, Curtis Mayfield, Brook Benton e Fats Domino, além de grupos como The Drifters que tinham muita popularidade na Jamaica. Nessa época, Bob conseguiu um emprego numa funilaria, mas já tinha a música como grande objectivo de sua vida. A busca desse objectivo ganhou dedicação exclusiva quando uma fagulha da solda com que trabalhava queimou-lhe o olho. O acidente não teve gravidade mas contribuiu para largar o emprego e investir unicamente no aperfeiçoamento da sua música com Bunny. Eles eram ajudados por Joe Higgs, um cantor que apesar de já possuir uma certa fama na ilha ainda morava em Trench Town e dava aulas de canto para iniciantes. Numa dessas aulas Bob e Bunny conheceram outro jovem músico chamado Peter McIntosh. Em 1962 Bob Marley foi escutado por um empresário musical chamado Leslie Kong que, impressionado, o levou a um estúdio para gravar algumas músicas. A primeira delas “Judge Not” logo foi lançada pelo selo Beverley’s. No ano seguinte Bob decidiu que o melhor caminho para alcançar o sucesso era em um grupo, chamando para isso Bunny e Peter para formar os "Wailing Wailers". O novo grupo ganhou a simpatia do percussionista rastafari Alvin Patterson, que os apresentou ao produtor Clement Dodd. Na metade de 1963 Dodd ouviu os Wailing Wailers e resolveu investir no grupo. O ritmo da moda na Jamaica então era o Ska que, com uma batida marcada e dançante, misturava elementos africanos com o rhythm & blues de New Orleans e que tinha Clement “Sir Coxsone” Dodd como um dos seus mais famosos divulgadores. Os Wailing Wailers lançaram o seu primeiro single, “Simmer Down”, atarvés da Downbeat de Coxsone no fim de 1963 e em janeiro a música já era a mais tocada na Jamaica, permanecendo nessa posição durante dois meses. O grupo então era formado por Bob, Bunny, Peter, Junior Braithwaite e dois backing vocals, Beverly Kelso e Cherry Smith.

Nessa época chegou pelo correio a passagem que Dona Cedella, que tinha casado novamente e mudado para Delaware nos Estados Unidos, conseguiu comprar após muito esforço para juntar dinheiro. Ela desejava dar a Bob uma nova vida na América, mas antes da viagem ele conheceu Rita Anderson e em 10 de fevereiro de 1966 casaram-se. Marley passou apenas oito meses com a mãe antes de retornar à Jamaica, onde começou um período que teve importância especial no resto de sua vida. Bob chegou em Kingstom em outubro de 66, apenas seis meses depois da visita da Sua Majestade Imperial, o Imperador Hailè Selassiè, da Etiópia, que trouxe nova força ao movimento Rastafari na ilha. O envolvimento de Marley com a crença Rastafari também estava crescendo e, a partir de 67, sua música começou a refletirse nisso. Os hinos dos Rude Boys deram lugar a uma crescente dedicação às canções espirituais e sociais que se tornaram a pedra fundamental do seu real legado. Bob, então, convidou Peter e Bunny para novamente formarem um grupo, dessa vez chamado “The Wailers”. Rita também começava sua carreira como cantora com um grande sucesso chamado “Pied Piper”, um cover de uma canção pop inglesa. A música jamaicana, entretanto, havia mudado. A frenética batida do Ska deu lugar a um ritmo mais lento e sensual chamado Rock Steady. A nova crença Rastafari dos Wailers os colocou em conflito com Coxsone Dodd e, determinados a controlar seu próprio destino, os fez criar um novo selo, o Wail’N’Soul. Mas, apesar de alguns sucessos, os negócios dos Wailers não melhoraram muito e o selo faliu no fim de 1967. O grupo sobreviveu, entretanto, inicialmente como compositores de uma companhia associada ao cantor americano Johnny Nash que, na década seguinte, teria um grande sucesso com “Stir It Up”, de Bob.

Os Wailers então conheceram um homem que revolucionaria o seu trabalho: Lee Perry, cujo gênio produtivo havia transformado as técnicas de gravação em estúdio em arte. A associação Perry / Wailers resultou em algumas das melhores gravações da banda. Músicas como “Soul Rebel”, “Duppy Conqueror”, “400 Years” e “Small Axe” são clássicos e concerteza definiram a futura direcção do reggae. Em 1970, Aston 'Family Man' Barrett e seu irmão Carlton (baixo e bateria, respectivamente) uniram-se aos Wailers. Eles eram a base da banda de estúdio de Perry e haviam participado em várias gravações do grupo. Os irmãos eram conhecidos como a melhor secção rítmica da Jamaica, status que continuariam pela década seguinte. Os Wailers eram então reconhecidos como grande sucesso na Caraíbas, mas internacionalmente continuavam desconhecidos.

No verão de 1971 Bob aceitou o convite de Johnny Nash para acompanhá-lo à Suécia, ocasião em que assinou contrato com a CBS, que era também a editora do americano. Na primavera de 72 todos os Wailers já estavam na Inglaterra, promovendo o single “Reggae on Broadway”, mas sem alcançar bom resultado. Como última tentativa Bob entrou nos estúdios da Island Records, que havia sido a primeira a dar atenção ao crescimento da música jamaicana, e pediu para falar com o seu fundador, Chris Blackwell. Blackwell conhecia a fama dos Wailers e o grupo estava fazendo uma proposta irrecusável. Eles estavam adiantando 4 mil libras para gravar um álbum e para que, pela primeira vez, uma banda de reggae tivesse acesso as mais avançadas técnicas de gravação e fosse tratada como eram as bandas de rock da época. Antes dessa proposta as editoras achavam que um grupo de reggae só vendia em singles ou compilações com várias bandas. O primeiro álbum dos Wailers, "Catch A Fire" quebrou todas as regras: era lindamente embalado e fortemente promovido. Era o começo de um longo caminho à fama e ao reconhecimento internacional. Embora "Catch A Fire" não tenha sido um hit instantâneo, o álbum teve um grande impacto na imprensa. O ritmo marcante de Marley, aliado às suas letras militantes vinham com total contraste ao que estava sendo feito então. Os Wailers chegaram em Londres em abril de 73, embarcando numa série de apresentações que mostraria sua qualidade como banda de shows ao vivo. Entretanto, após três meses, o grupo voltou à Jamaica e Bunny, descontente com a vida na estrada, recusou-se a tocar na turnê americana. No seu lugar entrou Joe Higgs, o velho professor de canto dos Wailers. A turnê americana incluía, além de algumas casas de show, a participação em alguns shows de Bruce Springsteen e Sly & The Family Stone, a principal banda de música negra americana do momento. Mas depois de quatro shows ficou claro que colocar os Wailers abrindo espetáculos poderia ser pouco aconselhável para as atracções principais. A banda foi então para San Francisco, onde a rádio KSAN transmitiu uma apresentação ao vivo que só foi publicada em 1991, quando a Island lançou o álbum comemorativo "Talkin' Blues". Em 73 o grupo também lançou o seu segundo álbum pela Island, "Burnin", um LP que incluía novas versões de algumas das suas mais velhas músicas, como: “Duppy Conqueror”, “Small Axe” e “Put It On”, junto com faixas como “Get Up, Stand Up” e “I Shot The Sheriff” (que no ano seguinte se tornaria um enorme sucesso mundial na voz de Eric Clapton, alcançando o primeiro lugar na lista dos singles mais vendidos nos Estados Unidos). Em 74 Marley passou uma grande parte do seu tempo no estúdio trabalhando nas sessões que resultaram em “Natty Dread”, um álbum que incluía músicas como “Talkin’ Blues”, “No Woman No Cry”, “So Jah Seh”, “Revolution”, “Them Belly Full (But We Hungry)” e “Rebel Music (3 o’clock Roadblock)”. No início do próximo ano, entretanto, Bunny e Peter deixariam definitivamente o grupo para embarcar em carreiras solo enquanto a banda começava a ser conhecida por Bob Marley & The Wailers. “Natty Dread” foi lançado em Fevereiro de 75 e logo a banda estava novamente na estrada. A composição harmônica perdida com a saída de Bunny e Peter havia sido substituída pelas I-Threes, um trio feminino composto pela esposa de Bob, Rita, além de Marcia Griffiths e Judy Mowatt. Entre os concertos, os mais importantes foram as duas apresentações no Lyceum Ballroom de Londres que até hoje são lembradas entre as melhores da década. Os shows foram gravados e logo o disco, junto com o single “No Woman, No Cry”, estava nas paradas de sucesso. Em Novembro, quando Marley voltou a Jamaica para tocar num show beneficiente com Stevie Wonder ele já era obviamente a maior estrela da ilha. “Rastaman Vibrations”, o álbum seguinte, lançado em 76, atingiu o topo das paradas americanas e é considerado por muitos a mais clara exposição da música e das crenças de Bob. O LP incluía músicas como “Crazy Baldhead”, “Johnny Was”, “Who The Cap Fit” e, talvez a mais significativa de todas, “War”, cuja letra foi extraída de um discurso do Imperador Hailè Selassiè, nas Nações Unidas.

Com o sucesso internacional cresceu a importância política de Bob Marley na Jamaica, onde a fé Rastafari expressa pela sua música alcançava forte ressonância na juventude dos ghetos. Como forma de agradecimento ao povo da ilha, Bob decidiu dar um concerto aberto no Parque dos Heróis Nacionais de Kingston, em 5 de dezembro de 1976. A idéia era enfatizar a necessidade de paz nas ruas da cidade, onde as brigas de gangues estavam a causar confusão e mortes. Logo depois do anúncio do show, o governo convocou eleições para o dia 20 de dezembro. Isso deu nova força à guerra no gheto e, na tarde do concerto atiradores invadiram a casa de Bob e alvejaram-no. Na confusão os atiradores apenas feriram Marley, que foi levado a salvo às montanhas na cercania da cidade. Entretanto ele resolveu fazer o show de qualquer maneira e subiu ao palco para uma rápida apresentação em desafio aos seus agressores. Foi a última apresentação de Bob na Jamaica por oito meses. Logo após o show ele deixou o país para viver em Londres, onde gravou o seu próximo álbum, “Exodus”.

Lançado no verão daquele ano, “Exodus” consolidou o status internacional da banda, ficando nas paradas da Inglaterra por 56 semanas seguidas e tendo seus três singles - “Waiting In Vain”, “Exodus” e “Jammin’” - com grandes vendagens. Em 78 a banda capitalizou novo sucesso com “Kaya”, que alcançou o quarto lugar na Inglaterra logo na semana seguinte do lançamento. O álbum mostrava uma nova vertente de Marley, com uma colecção de canções de amor e, claro, homenagens ao poder da "Ganja". Do álbum foram extraídos dois singles: “Satisfy My Soul” e “Is This Love”. Ainda em 78 aconteceriam mais três eventos com extraordinária importância para Marley. Em Abril voltou à Jamaica para o “One Love Peace Concert”, quando fez com que o Primeiro-Ministro Michael Manley e o líder da oposição Edward Seaga dessem as mãos em palco, foi então convidado para ir à sede das Nações Unidas, em Nova York, para receber a Medalha da Paz. E, no fim do ano, Bob visitou a África pela primeira vez, indo inicialmente ao Kenya e depois à Etiópia, o lar espiritual Rastafari. A banda havia recém terminado uma turnê pela Europa e América que rendeu o segundo álbum ao vivo: “Babylon By Bus”. “Survival”, o nono álbum de Bob Marley pela Island foi lançado no verão de 1979. Ele incluía “Zimbabwe”, um hino para a Rodésia, que logo seria libertada, junto com “So Much Trouble In The World”, “Ambush In The Night” e “Africa Unite”. Como indica a capa, que contém as bandeiras das nações independentes, “Survival” foi um álbum em homenagem à solidariedade Pan-Africana. Em abril de 1980, o grupo foi convidado oficialmente pelo governo do recém libertado Zimbabwe para tocar na cerimônia de independência da nova nação. Essa foi a maior honra oferecida à banda e demonstrou claramente a sua importância no Terceiro Mundo. O próximo disco da banda, “Uprising”, foi lançado em maio de 80 e teve sucesso imediato com “Could You Be Loved”. O álbum também trazia “Coming In From The Cold”, “Work” e a extraordinária faixa de encerramento, “Redemption Song”. Os Wailers então embarcaram na sua maior turnê européia, quebrando recordes de público pelo continente. A agenda incluía um show para 100 mil pessoas em Milão, o maior da história da banda. Bob Marley & The Wailers eram a maior banda na estrada naquele ano e “Uprising” estava em todas as paradas da Europa. Era um período de máximo optimismo e estavam a ser feitos planos para uma turnê na América na companhia de Stevie Wonder no final do ano.

No fim da turnê européia Marley e a banda foram para os Estados Unidos. Bob fez dois shows no Madison Square Garden, mas logo após caiu sériamente doente. Três anos antes, em Londres, tinha ferido o dedo do pé a jogar futebol. O ferimento tornou-se canceroso e, apesar de ter sido tratado em Miami, continuou a progredir. Em 1980, o câncer, na sua forma mais virulenta, começou a espalhar-se pelo corpo de Bob. Ele controlou a doença por oito meses, fazendo tratamento na clínica do Dr. Joseph Issels, na Bavária. O tratamento de Issels era controverso por usar apenas remédios naturais e não tóxicos e, por algum tempo, pareceu estabilizar a condição de Bob. Entretanto, repentinamente a luta começou a ficar mais difícil. No começo de maio ele deixou a Alemanha para voltar à Jamaica, mas não completou a viagem.

Bob Marley morreu num hospital de Miami na segunda-feira, 11 de maio de 1981. No mês anterior, Marley havia sido agraciado com a Ordem do Mérito da Jamaica, a terceira maior honra da nação, em reconhecimento à sua inestimável contribuição à cultura do país. Na quinta-feira, 21 de Maio de 1981, o Honorável Robert Nesta Marley O. M. recebeu um funeral oficial do povo da Jamaica. Após o funeral - assistido tanto pelo Primeiro-Ministro como pelo líder da oposição - o corpo de Marley foi levado à sua terra natal, Nine Mile, no norte da ilha, onde agora descansa em um mausoléu. Bob Marley morreu aos 36 anos, mas a sua lenda permanece viva até hoje.

sábado, 10 de julho de 2010

GRANDE AMIGO BOB VAN

RONNIE GREEN, ROSY VALENÇA ,MARCOS VINICIUS ,MIRIAN BLACK,RICARDO LUZ , MR KLEBER

RONNIE GREEN, SLY FOX E HONEY BOY

Matéria publicada na Revista Planeta, número 150, de Março de 1985

Para muitos, o falecido imperador etíope Hailé Selassié foi apenas mais um curioso exemplar entre os governantes que assolam os paises do Terceiro Mundo. Outros, porém, viram nele o messias, e em sua terra, a origem do cristianismo: são os rastas, da Jamaica, adeptos de uma singularíssima religião que se tornou internacionalmente conhecida a partir das músicas de nomes como Bob Marley.
Negros. Enormes tranças em desalinho, escorrendo pelo corpo ou sob toucas de lã colorida. Na mão, provavelmente, um grosso cigarro de marijuana, e no prato, frutas, hortaliças e raízes. Os gestos são vagarosos, o olhar é sereno e o bom humor, uma constante. Cultuam a imagem do ex-imperador etíope Hailé Selassié, “o messias”. Clamam pela volta à África, de onde seus ancestrais foram cruelmente arrancados durante o período escravagista. A Bíblia, leitura diária ilustra os cânticos ao lado de críticas ao sistema, “a Babilônia”, numa inebriante cadência dos tambores. Embora extremamente avessos a qualquer tipo de opressão e, por vezes, agressivos nessa situação, mantêm-se generosos e receptivos a todos indistintamente. Crêem na vitória do bem sobre o mal e na vida eterna, pregando e praticando a máxima “paz e amor”. Cenário: Jamaica; cores: vermelho, amarelo e verde. São os rastas.

O movimento rastafari surgiu com a coroação de Hailé Selassié, em 1930. Através da música popular jamaicana, o reggae, ganhou notoriedade internacional na década de 70 e arrebanhou seguidores em todo o mundo. Aquilo que outrora era “a vergonha da Jamaica” – indivíduos de “péssima aparência”, hábitos “criminosos” – tornou-se repentinamente um atrativo para visitantes, que fazem do turismo a segunda maior fonte de renda do país. Isso, no entanto, não os poupa dos constantes problemas com a polícia, que os toma por vadios e drogados. O certo é que o rastafari possui elementos de grande interesse. Não obstante o etnocentrismo de alguns observadores, que os tacham de loucos e alienados, os rastas conquistaram uma identidade, dentro e fora da Jamaica. Seus anseios extrapolam a esfera espiritual e ganham, paulatinamente, força social e política.
É corrente a afirmativa de que o sistema escravagista implantado na Jamaica foi um dos mais cruéis em todos os tempos. Os primeiros escravos chegaram à ilha em 1509; eram primordialmente trazidos para o trabalho nas plantações de cana-de-açúcar, que sustentaram a economia européia nos séculos XVII e XVIII. Capturados na costa da Guiné, Congo, Angola e Sudão, pertenciam a grupos tribais importantes, como os coromantees, achantis, mandingas, fantis, dagombas, mamprusis e talenses. Isolados entre si na África, sem intercâmbios, fundiram suas tradições e culturas no Caribe, descobrindo-se como um só povo, partilhando dos mesmos sofrimentos. Os coromantees possuíam tradição guerreira, que os fazia rebeldes violentos, foram à espinha dorsal dos maroons, escravos fugitivos e de atribuições míticas, que se concentraram no interior da ilha, onde estão até hoje. Arredios, não se misturam à civilização jamaicana. Garantidos por lei, seus territórios preservam as tradições tribais africanas de seus primeiros. É cabível afirmar que os núcleos maroons são uma espécie de quilombos que deram certo. Oliver Cromwell, a serviço da Coroa Britânica, conquistou a ilha em 1655. Suas incursões ao Caribe garantiram à Inglaterra o domínio de importantes colônias até então sob jugo espanhol.

Os homens de coração negro
A Jamaica é um caso singular no que diz respeito à tradição e folclore. Ao contrário de outros sistemas escravagistas, os negros não eram forçados a adotar a cultura européia. Os ingleses possuíam objetivos unicamente mercantilistas, não se importando com qualquer tipo de catequese ou ensinamento. Os escravos, por sua vez, erigiram uma cultura toda própria, fruto da miscigenação tribal a que foram submetidos. Os trabalhos nos campos eram ritmados com canções africanas, do tipo chamada-resposta, que, segundo os ingleses, aumentavam a produtividade. As primeiras práticas religiosas foram o myalism e o obeah, ambos herança africana, misturando exarcebado culto aos mortos, voduísmo e curandeirismo. Outras expressões foram a kumina e o junkunnu, que vingaram até hoje. A primeira tida como um dos mais antigos cultos afro-caribenhos está bastante ligada ao myialism. Suas funções incluem a possessão espiritual, o bater frenético de palmas e o ritmo dos tambores. O junkunnu é a mais tradicional festividade jamaicana, com muita dança música, teatralização e paródia.

Arraigados em suas tradições e ritmos, os negros jamaicanos atravessaram quase três séculos imunes à cultura e religião brancas. Um lei de 1774, entretanto, levou várias práticas de seu folclore à condição underground. Os patrões conscientizavam-se do perigo em permitir vários escravos unidos, em comunicação constante. Era o fim de um ciclo.

Com o confinamento das práticas religiosas de descendência estritamente africana, criou-se um vazio espiritual na Jamaica. As cerimônias da igreja tradicional eram frias, nada diziam aos escravos. Em 1784, Geoge Liele, afro-americano e ex-escravo, fundou a Igreja Batista na Jamaica. Gradativamente, atraídos pelo discurso acessível dos novos sacerdotes, os negros tomaram contato com a Bíblia. Mais: descobriram diversas similaridades entre a história dos judeus bíblicos e a deles própria; a mesma condição de expatriados, as mesmas desigualdades, a espera do retorno à pátria, um salvador iminente e assim por diante.

Etiópia: a origem da civilização cristã
George Liele já possuía algum conhecimento sobre o etiopianismo, teoria embasada na Bíblia que diz serem a Etiópia e a raça negra a protocélula da civilização cristã. As diversas traduções disponíveis da Bíblia e as muitas interpretações a que se permitem tornam a questão um poço de dúvidas. A cada conquista árabe ou européia na antiga África mudavam-se os nomes dos territórios. Assim, as origens da civilização etíope confundem-se no passado com a de Kush ou Méroe, Núbia e até do Egito. Segundo os gregos, o antigo Egito era habitado pelas mesmas tribos da antiga Etiópia, indivíduos de pele negra e cabelos como lã.

A Igreja Batista tornou-se um canal de reclamos para os escravos. Os pastores batistas exortavam os negros à resistência e foram os primeiros a clamar em favor da descolonização e citar a frase, hoje enciclopédica, “África para os africanos”. O sincretismo entre as imagens e valores bíblicos e afro-jamaicanos foi uma conseqüência lógica nesse processo. Mesmo após a abolição da escravatura, em 1838, a insatisfação na ilha era generalizada. O apego à fé e às lideranças político-religiosas foi responsável por uma série de rebeliões. O sincretismo catalizou-se em 1860 com o revivalismo, quando a religiosidade e o espiritualismo foram levados a extremos, num episódio sem precedentes na história da Jamaica.

No começo deste século, amparados num movimento nacionalista, alguns pregadores lançaram mão de sua influência e retórica para mesclar elementos bíblicos e da teoria etiopanista com reivindicações de cunho social e político. O mais destacado de todos eles era o jovem Marcus Mosiah Garvey. Após liderar movimentos grevistas e revelar um enorme poder de comunicação junto às massas, garvey fundou a UNIA – Universal Negro Improvement Association (Associação Universal para o progresso Negro) – uma das primeiras tentativas de peso realizadas para a garantia dos direitos dos negros no mundo ocidental. Para que se tenha uma idéia, somente entre 1914 (data da sua instauração) e 1920, a UNIA chegou a agregar quase seis milhões de membros, espalhados por todo o mundo.
Ascensão de Selassié
Em 1916, Marcus Garvey viajou para os Estados Unidos com o propósito de apresentar propósitos educacionais para Washington. Terminou instalando-se nesse país e, sempre estimulando o retorno dos negros à África, fundou a Black Star Line (Companhia Estrela Negra) de navegação para garantir o comércio do novo mundo negro e simbolizar a repatriação. Durante os anos 20, ganhou tal eminência junto às comunidades negras dos EUA que o governo daquele país, acuado pelas constantes insinuações do jornal da UNIA, Negro World, expulsou-o em 1928. “Olhem para a África. Quando um rei negro for coroado, a redenção estará próxima.” A afirmação de Garvey em seu retorno à Jamaica foi tomada como uma profecia. A vinda do messias haveria de pôr fim aos sofrimentos e amarguras daquele povo, crente de ser a extensão (in) fausta dos judeus das escrituras. Em 1930, Ras Tafari Makonnen foi coroado imperador da Etiópia. Adotou o nome de Hailé Selassié I e adicionou os títulos de Rei dos reis, Senhor dos senhores, Leão Conquistador e Tribo de Judá, Eleito de Deus e Luz do Mundo. Seguidores de Garvey acorreram à Bíblia e, entre outras passagens, encontraram em Apocalipse 19, 16: “Sobre o manto e sobre a coxa está escrito seu nome – Rei dos reis, Senhor dos senhores”, e Apocalipse 5,5: “Mas um dos anciãos me disse: Não chore, eis que o Leão da Tribo de Judá, a raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os sete selos”, que descreviam o messias em seu retorno. Para alguns pesquisadores, Selassié era o 225º representante da linha salomônica, advinda da controversa união do rei Salomão com a rainha de Sabá. A analogia, pois, foi rápida e contundente: Hailé Selassié é o messias. Os acontecimentos históricos que se sucederam na Etiópia passaram a ser relacionados com as escrituras, consolidando a suposta divindade do imperador. A invasão do país pelas tropas de Mussolini e a heróica resistência do povo etíope comandado por Selassié, por exemplo, encontram-se registradas em Apocalipse 19, 19: “Vi a besta e os reis da terra com os exércitos reunidos para fazerem guerra àquele que montava o cavalo e a seu exército”. A trágica epopéia dos negros jamaicanos, os sentimentos nacionalistas, o etiopianismo, o sincretismo afro-bíblico, os clamores pela volta à África ganhavam, enfim, um direcionamento, um objeto de adoração e esperança. O nome batismal do imperador, Ras Tafari, rotulou a fé que lhe era dedicada. O movimento explodiu. Durante uma conturbada visita à Jamaica em 1966, Hailé Selassié negou ser o salvador (Jah, para os rastas), mas não foi ouvido.

O rastafari foi inescrupulosamente manipulado por falsos líderes ao longo dos anos 30, 40 e 50. Os projetos econômicos e educacionais instituídos por Marcus Garvey na década de 20 soçobraram juntamente com os navios imprestáveis comprados de armadores brancos a preços de mercado negro. O profeta, aliás, morreu miseravelmente em Londres, no ano de 1940. As aziagas situações em que se viram atirados os rastas, a violência insuflada por interesses pessoais de alguns e a inadvertida relação com os rude boys na década de 60, ao contrário do que seria presumível, fortaleceram os ideais legitimamente rastas, outorgando aos seguidores contemporâneos uma doutrina mais realista e urbana, sem abrir mão de seus preceitos dogmáticos.

Os caminhos da redenção
Os rastas somam hoje 10% da população jamaicana, estimada em 2,5 milhões de habitantes. Malgrado a morte de Selassié, em 1975, adoram-no ainda, como um ente de vida perene. Estão espalhados em todo o país, invariavelmente em guetos onde grassam a miséria e práticas de subsistência. Afora algumas facções misantropas, integram-se à sociedade como músicos, soldadores, motoristas, pescadores, artesãos e agricultores. As crianças, com raríssimas exceções, não vão à escola, “centros de lavagem cerebral e maus ensinamentos”. Seja por hábitos, palavras ou aparência, os rastas são facilmente identificáveis.
O rastafari é pró-Cristo e anti-papa. Reconhece a Igreja Católica Romana, mas vê no papa a personificação do Satanás, por liderar aqueles que fazem das verdades da Bíblia recurso de dominação de seus seguidores. O totalitarismo das grandes potências e as muitas formas de exploração do homem são, para os rastas, garantidos pela Igreja e seus falsos pregadores; a destruição disso tudo está próxima, e somente os que seguem os ensinamentos da Bíblia, os justos dos justos, serão poupados. A Bíblia, pois, é companheira inseparável dos rastas. Guiando e iluminando os caminhos que hão de levá-los à redenção.

A linguagem rasta possui particularidades que vão desde a descaracterização do inglês, a língua oficial jamaicana, até o encampamento de termos do amárico etíope e de origem crioula. A sabedoria discursiva resume-se no conceito de Word (razão), sound (fala) e power (coração). Aos não iniciados, o patoá é incompreensível. A palavra I (literalmente, “eu”) concentra inúmeros predicados de interação divina e, conseqüentemente, desmedidas utilizações. Tudo que converge no sagrado inicia-se com I. Daí termos Itation para meditation (meditação), Ivine para divine (divino) e assim por diante. Nos lábios dos rastas o inglês transforma-se. Brother, cuja pronúncia aproximada é “broder”, soa “broda”, e até o famigerado “th” de the, thing ou them, de inexorável dificuldade para a pronúncia latina, simplifica-se no som cru e direto do “t” ou “d”, criando “ting” para “thing”, “dem” para “them”, etc.

Os costumes dos rastas
Os hábitos alimentares dos rastas são basicamente vegetarianos. A justificativa, como sempre, é bíblica: “ e a todos os animais da terra, a todas as aves do céu e a todos os seres vivos que rastejam sobre a terra, eu lhes dou os vegetais por alimento” (Gênesis 1, 30).
Abominando, além da carne, alimentos como ovo, queijo, pães, e massas de farinha branca, os rastas mantêm-se com uma variada gama de frutas e hortaliças encontradas na Jamaica. Arroz, feijão, ervilha, mandioca, coco, banana, mamão, abacaxi, laranja, ackee (a fruta típica da ilha), pimenta, batata e uma infinidade de sucos e extratos compõem a mesa do rasta no dia-a-dia. A bebida alcoólica é evitada, bem como os refrigerantes e enlatados de qualquer tipo. Plantar o que come, quando possível, é o ideal.
A alimentação rasta é comumente chamada Ital, termo oriundo de natural e vital. Na urbana Kingston, por exemplo, onde as dificuldades em se encontrar a comida Ital se pronunciam, existem restaurantes especializados em prepará-la, normalmente dirigidos por rastas. Os preços são acessíveis e acabam atraindo todos aqueles que precisam se alimentar bem sem gastar muito.
A Bíblia diz, em Números 6,5: “Enquanto durar o voto de nazireado a navalha não passará sobre a cabeça; estará consagrado enquanto não se completarem os dias que consagrou ao Senhor, e deixará crescer livremente o cabelo”. Por isso, a grande maioria dos rastas jamais corta o cabelo e a barba, que se tornam, ainda, “antenas” de vibrações divinas.
As dreadlocks (literalmente, “tranças horrendas”) surgiram por volta de 1935, inspiradas em fotos de guerreiros massais e somalis da África Oriental. A idéia corrente de que sejam sujas, nunca lavadas, não é verdadeira. Uma espécie de touca de lã, a tam, guarnece a dreadlocks do sol e do vento e é, quase sempre, tecida nas cores etíopes: vermelha, amarela e verde. Se nas ruas de Kingston um rasta for insistentemente fitado por um turista curioso, certamente arrancará de um só golpe a tam, expondo as dreadlocks num ato de afirmação de sua negritude e crença.
Os próprios rastas costumam recitar: “nem todos os rastas usam dreadlocks, nem todos que usam são rastas”. Sem dúvida, a popularização do uso das dreadlocks, na Jamaica e no mundo, deu margem às más interpretações sobre os rastas, num processo errôneo de correlacionamento. Mais importante que as dreadlocks, afirmam, é ser rasta no coração.
De todos os hábitos rastas, o mais problemático, o mais suscetível a implicações sociais e até legais é o consumo da marijuana, conhecida popularmente como ganja, a erva sagrada. Fumar ganja é um sacramento, comparável à hóstia ou ao incenso na Igreja cristã. Em Gênesis 1, 29, encontra-se: “Deus disse: Eis que vos dou toda a erva de semente, que existe sobre toda a face da terra, e toda a árvore que produz fruto com semente, para vos servir de alimento.”, o que para eles é a aclamação suprema do ato. Sob o efeito entorpecente da ganja, os rastas dizem manter íntima relação com divindades, unidade com o mundo e raciocínio lógico. É indispensável durante meditações, cânticos e orações. Na forma de chá, é utilizada para relaxar crianças pequenas que choram muito ou se mostram tensas. Inúmeros pratos da cozinhas fazem uso da erva, também usada contra males do corpo, como infecções, febres e dores de cabeça.
Não se sabe quando a marijuana chegou à ilha ou até se já existia antes do descobrimento, mas é certo que ela se encontra na ilegalidade desde 1913. Os problemas com a polícia foram sempre marcantes, mas, atualmente, existe uma relativa conivência para com o porte e consumo em pequenas quantidades. Ainda assim, flagrar um rasta com a erva é sempre um bom motivo para os policiais lhe cobrirem de cusparadas e impropérios. O rastafari encontra-se intrinsecamente relacionado com a música. Em Salmos 18, 50 lê-se: “Por isso, Senhor, te darei graças entre as nações, entoando hinos a teu nome”.
Através dos anos e das progressivas evoluções dos ritmos jamaicanos, a mensagem rasta foi cantada na lida diária, nas praias, mas clareiras escondidas das Montanhas Azuis (no interior da ilha), nas favelas e palcos mambembes. A música é hoje o mais importante veículo de pregação rastafari e reivindicações sociais. Basta citar o reggae, mundialmente conhecido, para se ter uma idéia do casamento entre ritmo, melodia e doutrina fomentados pelos rastas. A base de tudo são os tambores burru, tradição rítmica africana difundida nos tempos da escravidão e adotada pelos rastas como nyahbinghi drums.
Os rastas reúnem-se constantemente para cantar, para louvar Jah, com tambores e ganja na mão. O ritual é conhecido como grounation e ilustra todas as datas importantes do calendário rasta. Dificilmente a presença de um estranho é tolerada nessas ocasiões, tal a importância e mística que lhe são atribuídas.

O rastafari conquistou espaços na sociedade jamaicana inimagináveis há alguns anos. Embora muitos se recusem a votar, nenhuma campanha política prescinde da inclusão de seus problemas, tal é à força do movimento junto à opinião pública do país. Está gravada na história da Jamaica a imagem do primeiro-ministro branco, Edward Seaga, unificando os brados de “Jah, rastafari!”, durante os funerais de Bob Marley, um rasta que levou, através de sua música, a realidade jamaicana às primeiras páginas dos jornais em todo o mundo.

É inegável que algumas aspirações rastas, como a volta à África, constituem hoje apenas simbologia doutrinária. O apartheid na África do Sul, a conturbada situação política no Zimbabwe e a fome na Etiópia são, para eles, exemplos da espoliação exercida no continente pela Babilônia. Além de impraticável, o êxodo seria insensato, crêem.
Aninhados sob o sol enérgico da Jamaica, esperam tranqüilos a chegada do Apocalipse. Têm certeza de que sobreviverão. Seu canto mavioso e as palavras de sabedoria, como na lenda milenar do rouxinol, mantêm vivo o imperador e distantes os fantasmas das más ações que cometeu.

Notas
Rastafarianos. A utilização de rastas, tão-somente, é corrente no inglês e parece-me mais adequada. Da mesma forma, prefere-se rastafari ao termo rastafarismo ou até rastafarianismo. Os rastas detestam "ismos".
Os próprios rastas aconselham o uso dos termos "movimento", "doutrina", "fé", mas nunca religião.
Barret, Leovard. Soul Force. Nova York, Doubleday, 1974, p.77
Whitney, Malika Lee & Hussey, Dermott. Bob marley, Reggae King of the World. Nova York. E,P. Dutton, 1984, p.114
Ramchand, Kenneth. O sonho africano de Marcus Garvey", in O Correio da Unesco. rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1982, p.42
Responsáveis por uma onda de violência e vandalismo ocorrida na Jamaica durante os anos 60 e parte dos 70. Oriundos do campo, chegavam à capital, Kingston, não conseguiam emprego e se marginalizavam. Alguns adotaram as tranças rastas, daí ter surgido muita confusão.
É o termo mais usado. São ainda de uso corrente os nomes sinsemilla, herb, hola herb, lamb's bread, Ishence, kaya, weed of wisdon e kings bread. A quantidade de nomes equipara-se à do produto.
Vez por outra, um músico é preso por causa da ganja, Assim, a polícia espera fazer reconhecido seu trabalho. Ficaram famosas as prisões de Bunny Wailer, Peter Tosh, Toots Hibbert e, há pouco, Gregory Isaacs.

CORES DO REGGAE


Um dos símbolos mais obvios dos Rastafari são as cores. Estas são o vermelho, preto, verde e amarelo. Estas cores foram retiradas do movimento de Marcus Garvey.

A cor vermelha, simboliza a triunfante igreja dos Rastafari, representando também o sangue dos mártires que existem na história dos rastas.

O preto, representa a cor dos africanos, dos quais descendem 98% dos Jamaicanos.

O verde, representa a beleza da vegetação da Etiópia e da terra prometida.

O amarelo é usado para simbolizar a abundância da sua terra natal.

ISSO É CONHECIMENTO

As comunidades negras jamaicanas (garveytas), formadas na decada de vinte, encaravam a África como a terra prometida, em especial a Etiópia, por tratar-se de um Império africano milenar jamais colonizado e responsavel pela preservação de uma cultura sem grandes influencias europeias. A Etiópia que possui cerca de cem dialetos e o aramaico como lingua oficial, também reividica uma ancestralidade bíblica pois afirmam que seus reis são descendentes da união da rainha etíope Makeda de Sabá com o Rei Salomão de Jerusalem, filho do Rei Davi, dessa união teria nascido Menelik I (também chamado de Davi, na Etiópia) e a partir de então surgiria a dinastia salomânica em terras etíopes.
Os textos bíblicos apresentam o rei Salomão como um dos antepassados de Jesus Cristo e o livro etíope Kebra Nagast relata o encontro do Rei de Jerusalem com a rainha de Sabá e consequentemente a origem da árvore genealógica do maior imperio africano de todos os tempos, Etiópia, antiga Abissínia (também chamada de Axum e Cush) a única nação da África citada em todas as versões da Bíblia.
O kebra Nagast é considerado um texto sagrado tanto para os cristãos ortodoxos da Etiópia quanto para os rastafaris jamaicanos. Segundo conta sua historia, a rainha Makeda (também chamada de Balkis ou Belkis) de Sabá (Sul), rainha da Etiópia, sabendo da existência de um sabio rei de Jerusalem, profundo conhecedor das leis divinas, resolveu visitá-lo para conhecer sobre seu reinado e suas convicções religiosas.
A rainha foi recepcionada no palácio de Salomão, que a introduziu na crença de um Deus único e nos princípios da fé judaica. O rei de Jerusalem gostaria de passar a noite com a rainha virgem e ter com ela uma relação sexual, mas esta recusou o convite, porém Salomão propôs um acordo onde ela nao poderia fazer uso de nenhuma riqueza sua. Acreditando ser bastante rica e poderosa, a rainha de Sabá não tinha dúvidas de que não precisaria das riquezas materiais do rei, porém antes de dormir, Salomão ordenou para que seus empregados colocassem bastante sal no jantar da rainha, colocando também uma jarra d´agua na cabeceira de sua cama. Na madrugada, Makeda sentiu sede e bebeu a água, o rei levantou-se e afirmou que ela havia consumido um grande tesouro de seu reino e perguntou se a rainha de Sabá conhecia riqueza maior do que a água. Ambos se apaixonaram e deste encontro a rainha voltou grávida para a Etiópia, deixou animais raros e obras de arte que com muito custo havia carregado com sua caravana ao longo da árdua travessia do Oriente Médio e retornou a África com um presente histórico: O anel que trazia a marca do leão, simbolo da tribo de judá, também da família de Salomão. Seu filho Ebna cresceu sem saber sobre a identidade de seu pai e ao tornar-se adulto conheceu através da sua própria rainha. Ebna foi coroado e nomeado Menelik I e viajou para Jerusalema a fim de encontrar com seu pai. No primeiro momento Salomão duvidou da veracidade de sua paternidade, mas com o passar do tempo sentiu afinidade com o rapaz e ao ver o antigo anel no dedo de Menelik I reconheceu a sua descendência. A partir de então, o rei conviveu com Menelik I e entregou grandes segredos de Jerusalem ao jovem Etíope.
Salomão passava por dificuldades em sua terra natal e confiou-lhe a Arca da Aliança, contendo os dez mandamentos originais de moisés; Menelik I por ordem de seu pai levou as "Tábuas de Moisés" para a Etiópia e fez essa viagem acompanhado por doze mil israelenses judeus. Segundo a Igreja Ortodoxa Copta da Etiópia, a arca mantém-se lá ainda nos dias de hoje e é vigiada e contemplada, por um único sarcedote, que dedica toda sua vida para guardá-la, sendo substituido durante as gerações.
Dessa forma nasceu a dinastia de Salomão na Etiópia, através de uma grande linhagem de reis com laços sanguineos que veio a suceder-se e atualmente no dia da comemoração do Arcanjo São Miguel, os cristãos etíopes desfilam pelas ruas do país com replicas da Arca da Aliança, também chamada de Arca da Convenção.
A dinastia que nasceu com Menelik I, filho do rei Salomão com a rainha de Sabá, introduziu a tradição judaica na Etiópia e desde então o Leão de Judá tornou-se símbolo da família real. Dessa família uma sucessão de reis se desenrolou, recebendo títulos Bíblicos como Salomão, Jacó, Davi, entre outros e no quarto século da era cristã a família real se converteu ao cristianismo ortodoxo, por influência dos egípcios, fundando a Igreja Ortodoxa Copta da Etiópia, no mesmo século em que surgia a Igreja Católica Apostólica Romana, com algumas diferas doutrinárias.
Os Etíopes afirmam que a Arca da Aliança, contendo os dez mandamentos originais de moisés permanece na África por solicitação do próprio rei Salomão, já a igreja católica romana afirma que os dez mandamentos se perderam ao longo da história e não reconhece nenhuma outra versão. Além disso, segundo os ortodoxos egípcios, etíopes, assim com os armênios, a pessoa de Jesus Cristo, embora tenha sido um homem encarnado, apresentava uma única natureza estritamente divina e apenas em 1504 no Concílio da Calcedônia declararam a sua crença Monofisista (uma única natureza fisica de Jesus) e se distanciaram da crença romana que supõe duas naturezas, a humana e a divina, convivendo simultaneamente na personalidade de Cristo.
Durante séculos, os reis e rainhas da Etiópia mantiveram a tradição unicamente judaica, até a conversão de Frumêncio ao cristianismo. Este havia sido um escravo da corte de Axum (Etiópia) e por sua vocação ao estudo, havia conquistado a confiança do rei, tornando-se ele mesmo o secretario particular do monarca e responsável pela educação de seus filhos.
No século IV, mesmo século em que surgia a instituição católica apostólica romana, os egípcios (também chamados de coptas) cristãos realizavam suas práticas religiosas (jejum e oração) no deserto do Egito e eram conhecidos como padres do deserto, entre eles estavam Antão e Atanásio (mais tarde considerados santos). Frumêncio após ganhar a liberdade, visitou o Egito e tornou-se um dos mais dedicados discípulos de Atanásio, recebeu dos cristãos coptas o título de Aba (Pai) Salama (Portador da Luz) e voltou para Axum como o primeiro bispo da Etiópia, também chamado de "Inicio da luz". Canonizado e conhecido hoje como São Frumêncio, fundou, por incentivo de Atanásio, a Igreja Ortodoxa Copta da Etiópia que passou a fazer parte das Igrejas Orientais. A partir de então os reis e etíopes da dinastia de Salomão passaram a se identificar como reis cristãos ortodoxos e São Jorge foi escolhido o padroeiro da nação.
Outros episódios marcam a entrada do cristianismo na história da lendaria Abissínia, mesmo antes do surgimento da Igreja Ortodoxa. Dizem que o apóstolo Mateus foi viver na Etiópia após a morte de Jesus, a fim de evangelizar os africanos e ao chegar lá atraiu um grupo formado em sua maioria por mulheres, liderada pela Princesa Ifigênia. O rei da Etiópia, indignado com a postura da filha que havia negado o convite de casamento de um poderoso príncipe africano, solicitou a ajuda de Mateus, por considerar sua forte influência sobre a princesa. O Apóstolo então respondeu que sua ajuda consistiria em respeitar a vontade de Ifigênia (que não queria se casar) e por esse motivo o rei ordenou que Mateus fosse assassinado.
A princesa escondeu-se com suas companheiras durante muitos anos, dedicou sua vida ao cristianismo e aos ensinamentos de Mateus, fundou o primeiro convento da Etiópia, ainda nos primeiros anos da era cristã e é atualmente conhecida em todo o mundo, até mesmo entre os católicos romanos, como a Santa Ifigênia , a primeira santa negra da história.
Também acreditasse na Etiópia que o apóstolo Filipe, anos após a morte de Jesus, recebeu um chamado divino e caminhou por Jerusalem na direção Sul, encontrando com um eunuco etíope, tesoureiro e ministro da rainha Candence da Etíopia, que chegava em Jerusalem a fim de estudar as escrituras bíblicas. O eunuco lia um trecho do texto de Isaías do antigo testamento (que falava da vinda do messias) e não compreendia a passagem da bíblia. Filipe então contou-lhe a vida de Jesus, dizendo tratar-se da confirmação das palavras proféticas de Isaías. Enquanto percorriam um longo caminho se depararam com um rio, onde o etíope pediu para ser batizado, Filipe então realizou seu pedido e assim o eunuco, até então judeu, levou sua nova crença cristã para a Etiópia convertendo a Rainha Candace.
Com o surgimento da Igreja Ortodoxa na Etiópia, os reis começaram a responder pelo Estado, pelas forças armadas, sendo também líderes da Igreja. Por discordar de certos dogmas católicos, o imperador etíope passou a substituir a figura do papa, recebendo títulos de suma importância. Ao longo da história, os imperadores da Etiópia receberam nomes como Yeshua (Jesus) I, II, III e IV, assim como Newaya Kristos, Yohannes (João) I, II, III e IV, entre outros. Além disso, o detentor do trono etíope era presenteado com o manto escarlate bordado a ouro, o cetro, duas lanças de ouro e o anel de diamante com a figura do Leão de Judá (que afirmavam ser o anel legítimo de Salomão dado a seu filho etíope Menelik I), num ritual repleto de simbolismo e ministrado pelo arcebispo da igreja ortodoxa.
Quando em 1930, Ras Tafari foi coroado imperador da Etiópia, passou a se chamado pelo nome de Haile Selassie I, que em aramaico significa Poder da Trindade. Para os jamaicanos, a coroação de Selassie I, sua ascendência bíblica e seus títulos divinos (Rei do reis, Senhor dos senhores e Leão Conquistador da Tribo de Judá), afirmavam a profecia de Marcus Garvey sobre a vinda do rei negro e assim como os seguidores de cristo ficaram conhecidos como cristãos, desde então os seguidores de Ras Tafari foram identificados como os rastafaris.
Ras tafari foi 225º descendente de sua dinastia e na Jamaica varios pregadores se popularizam por afirmar a fe em sua divindade. Assim, estabeleceram-se diversas vertentes nas montanhas Jamaicanas, fazendo do movimento rastafari um grupo eclético, com rituais e regras variadas, sendo portanto, curiosamente um dos unicos fenomenos religiosos relativamente sem liderança. O papel de Marcus Garvey e Ras Tafari, assim como outros simbolos especificos geraram uma especie de versatilidade religiosa para o rastafarianismo.
Para muitos rastas, Haile Selassie I representa a unica e definitiva vinda do messias, salvador da humanidade e se distanciaramdo simbolismo de Jesus por sua imagem e propaganda européia, para outros, Ras Tafari é a volta de Jesus Cristo, enquanto diversas comunidades rastafaris surgiam com opiniões distintas e em algumas delas seus lideres eram tambem venerados. A partir de então algumas segmentações começaram a ocorrer no movimento, embora diversos traços culturais em comum possam ser encontrados até os dias de hoje.